Pedro Soler Coltro
DOI: 10.5935/2595-170X.20250002
Neste ano de 2025, o American College of Surgeons publicou a 11ª edição do Manual do Curso "Advanced Trauma Life Support® (ATLS®)"1, o mais difundido protocolo de atendimento ao paciente traumatizado, que é implementado em quase todo o mundo. A queimadura é uma das mais complexas e severas formas de trauma, e envolve processos fisiopatológicos de todos os sistemas do corpo. Uma das etapas mais importantes do atendimento inicial do paciente queimado é a reposição volêmica. Queimaduras agudas não causam hemorragia com risco de vida. Em vez disso, a perda de fluidos é progressiva e a ressuscitação volêmica deve ser iniciada precocemente. Essa reposição é estimada com base no peso do paciente em quilos e na porcentagem da superfície corpórea queimada (SCQ), utilizando a solução de Ringer lactato (RL), preferencialmente.
Até a 10ª edição do ATLS, de 2018, para pacientes adultos com queimaduras térmicas, a recomendação era realizar essa reposição de volume nas primeiras 24 horas, com base na fórmula: 2 ml x Peso (kg) x SCQ (%), sendo que metade desse volume deveria ser administrado nas primeiras 8 horas após o trauma, e a outra metade nas próximas 16 horas.
De acordo com a 11ª edição do ATLS, de 2025, houve importantes atualizações relacionadas com a reposição volêmica do paciente queimado. Para pacientes com grandes queimaduras, a ressuscitação de fluidos deve ser iniciada imediatamente por meio de cateter intravenoso periférico, utilizando fluidos isotônicos, iniciada no ambiente pré-hospitalar e continuada na avaliação primária, com base na idade do paciente:
≤ 5 anos: 125mL de solução de RL por hora;
6 a 12 anos: 250mL de solução de RL por hora;
≥ 13 anos: 500mL de solução de RL por hora.
Se os fluidos não foram iniciados na fase pré-hospitalar, deve-se iniciar imediatamente durante a realização da avaliação primária, com base na idade mostrada anteriormente. O atraso apenas piora o choque causado pela queimadura. É importante ressaltar que a administração de fluidos em bolus é desaconselhada, a menos que o paciente esteja hipotenso ou apresente outros sinais de hipovolemia grave. Devido à vasodilatação inicial e aumento da permeabilidade capilar do paciente queimado, o volume administrado em bolus tende a ser perdido para o "terceiro espaço" em vez de aumentar o volume intravascular. Os pulsos periféricos devem ser avaliados em todas as extremidades durante a avaliação primária.
Ao contrário da ressuscitação para outros tipos de trauma, nos quais o choque é tipicamente devido à perda sanguínea, a reposição para queimaduras é necessária para repor as perdas contínuas e progressivas por extravasamento capilar, que é proporcional à SCQ. A ressuscitação volêmica deve ser realizada para pacientes com queimaduras de espessura parcial e total ≥ 20% da superfície corporal, de acordo com a Tabela 1.
Portanto, conforme a 11ª edição do ATLS, para queimaduras térmicas de pacientes adultos, a recomendação é realizar a reposição de volume com base na mesma fórmula: 2ml x Peso (kg) x SCQ (%), porém agora nas primeiras 16 horas após o trauma (sem divisão de intervalos), e não mais nas primeiras 24 horas. Além disso, deu-se ênfase ao ajuste a cada hora da velocidade da administração de fluidos com base no débito urinário, como veremos a seguir.
A solução deve ser um cristaloide isotônico aquecido, de preferência Ringer lactato. O débito urinário deve ser aferido por meio de uma sonda vesical de demora em todos os pacientes queimados que recebem reposição volêmica. O volume de fluidos deve ser ajustado a cada hora para manter uma meta de débito urinário de 30 a 50mL/h em adultos (geralmente equivalente a 0,5mL/kg/h). Para pacientes pediátricos (idade < 13 anos), a meta é de 1mL/kg/h. Quando os pacientes apresentam débito urinário abaixo da meta, a taxa de fluidos por hora deve ser aumentada em 10% a 30%. Para pacientes com débito urinário acima da meta, a taxa de fluidos por hora deve ser reduzida em 10% a 30%.
O princípio fundamental das atualizações implementadas na 11ª edição do ATLS é que a ressuscitação com fluidos deve ser ajustada com base na resposta do paciente. O cálculo não prevê a reposição de volume para as horas subsequentes à avaliação inicial (a partir de 16 horas depois do trauma). O médico deve basear a redução da administração de fluidos intravenosos pelo débito urinário.
Crianças muito pequenas (< 30 kg) devem receber RL contendo 5% de dextrose em taxa de manutenção, além da reposição volêmica para queimaduras. Este fluido não é contabilizado e destina-se a garantir uma manutenção mínima e prevenir hipoglicemia. É importante que os médicos também reconheçam os fatores que afetam o volume de ressuscitação e a diurese, como lesão inalatória, insuficiência renal, diuréticos e álcool.
Em resumo, para pacientes adultos com queimaduras térmicas, as principais atualizações na reposição volêmica, de acordo com a 11ª edição do ATLS são:
Início imediato da reposição com 500ml de RL por hora (no pré-hospitalar e continuada na avaliação primária até o cálculo da SCQ);
Administração de 2ml x Peso (kg) x SCQ (%) de RL nas primeiras 16 horas após o trauma;
Ajuste do volume de fluidos a cada hora com base no débito urinário, tendo como meta 0,5ml/kg/h de diurese. Se abaixo da meta, aumentar a taxa de fluidos em 10 a 30%. Se acima da meta, reduzir a taxa de fluidos em 10 a 30%.
REFERÊNCIA
1. Advanced Trauma Life Support® (ATLS®). Course Manual. 11th ed. Chicago: American College of Surgeons; 2025.