8809
Visualizações
Acesso aberto Revisado por pares
Artigo de Revisao

Amputação de membro por queimadura elétrica de alta voltagem

Limb amputation due to high-tension electrical burn

Dilmar Francisco Leonardi1; Gustavo Andreazza Laporte2; Francisco Moreira Tostes3

RESUMO

A epidemiologia das queimaduras causadas por eletricidade varia de 1,7 a 20,4% do total das etiologias presentes. Entretanto, esta é diferente de outras pelo fato de acometer estruturas profundas que sao fontes de foco de infecçao. As queimaduras por eletricidade possuem prognóstico reservado e alta morbidade. A prevençao deste tipo de queimadura é importante para diminuir sua incidência e sua morbi-mortalidade.

Palavras-chave: Amputação. Extremidades. Queimaduras por Corrente Elétrica.

ABSTRACT

The epidemiology of burns caused by electricity range since 1.7 up to 20.4%. However, this etiology being different from the others due to the fact that it has a tendency to cause deep tissue damage, originating spots of secondary infection. The burns for electricity have private prognostic and high morbid. Writs of prevention are necessary to diminish its incidence and, thus, its morbidity and mortality.

Keywords: Amputation. Extremities. Burns, Electric.

A queimadura elétrica é uma lesao ocasionada por uma corrente elétrica que passa pelos tecidos. Esta é parte dos adventos da sociedade moderna, causando lesoes graves que afetam a qualidade de vida de vários pacientes. Estas lesoes envolvem, geralmente, adultos jovens e contribuem por 1,7 a 20 por cento de todos os tipos de queimaduras1-5. As queimaduras elétricas diferem das outras etiologias de lesao térmica, com exceçao das queimaduras ocasionadas por raio, por ter a tendência de acometer uma superfície corporal relativamente pequena, mas causando invariavelmente lesoes em estruturas profundas6.

As lesoes por eletricidade podem ser categorizadas em queimaduras tipo "flash", queimaduras em arco e queimaduras elétricas diretas ou verdadeiras. Cada uma delas possuindo sua característica clínica e prognóstico7. Estas lesoes ocorrem no percurso da corrente entre os pontos de saída e de entrada. A voltagem e a amperagem sao os fatores mais importantes que determinarao a extensao e a profundidade da lesao tecidual. Podemos diferenciar em queimadura de alta e baixa voltagem, tomando como ponto de corte os 1000 volts8.

As queimaduras de baixa tensao (abaixo de 1000 volts) ocorrem frequentemente no domicílio, acometendo crianças e, quando ocorre em adultos, está relacionada geralmente a acidentes de trabalho1,6. As lesoes por alta voltagem (acima de 1000 volts) ocorrem em ambiente externo domiciliar, em jovens do sexo masculino, que entram em contato com linhas de alta tensao suspensas ou subterrâneas6. As causas das lesoes neste segundo grupo sao pessoas que realizam caminhadas, que vao colher ferro em depósitos de energia abandonados e que fazem ligaçoes ilegais a linhas de transmissao para furtar energia1.

As lesoes causadas por choques de alta tensao caracterizam-se por ser um tipo de lesao que constitui uma pequena proporçao das lesoes elétricas e que pode causar alta morbidade, quando comparada às lesoes de baixa voltagem1,9.

A taxa de mortalidade de todas as queimaduras varia de 3 a 14%6. O trauma por alta voltagem envolve um espectro de injúrias, que variam desde lesoes de partes moles e neuromusculares até aquelas potencialmente fatais, como parada respiratória por tetania muscular, fibrilaçao ventricular que pode levar a parada cardíaca e perda de consciência10. Devido a isso, as lesoes causadas por alta tensao têm morbidade grave, resultando, às vezes, em amputaçoes e reconstruçoes extensas envolvendo procedimentos múltiplos e complexos2,6.

Fatores que determinam a forma e a gravidade da lesao por eletricidade incluem amperagem, resistência do corpo no ponto de contato, tipo e magnitude no trajeto da corrente e duraçao do contato. A corrente elétrica que passa através dos tecidos transforma a energia elétrica em calor, isso explicado pela Lei de Joule. As Leis de Ohm e de Joule determinam a quantidade de calor produzido. A Lei de Ohm afirma que a corrente elétrica que atravessa os tecidos é determinada pela voltagem dividida pela resistência. A resistência dos tecidos aumenta progressivamente, indo do nervo para o sangue, vasos, músculo, pele, tendoes, tecido adiposo e osso. O osso possui a maior resistência, que gera, dessa forma, mais calor quando comparado a outros tecidos. No entanto, a duraçao e a amperagem da corrente elétrica sao os principais determinantes da lesao1,9.

O trajeto da corrente através do corpo é um determinante importante da extensao da lesao. Há pontos de entrada e saída, mas, às vezes, é impossível distingui-los. Quando a eletricidade passa através do tórax (mao para mao, mao para pé), considera-se uma lesao mais perigosa que quando comparada a lesoes somente em membros, pelo fato da primeira atravessar a área cardíaca. O ponto de entrada mais comum é a mao e o ponto de saída, o pé. De acordo com a literatura, o ponto de entrada mais frequente é a mao, seguida pela cabeça1,8.

Na avaliaçao inicial, muitas lesoes associadas podem existir, compreendem lesoes ortopédicas, como fraturas de fêmur, cintura escapular e coluna cervical e luxaçoes; lesoes por explosao, como trauma abdominal e ruptura de membrana timpânica; problemas cognitivos, como distúrbios do sono, falta de memória, déficit de atençao, cefaleia, irritabilidade, inabilidade de argumentaçao; parestesias, depressao e espasmos musculares, lesoes inalatórias, catarata, lesoes gastrointestinais; como úlceras de estresse em duodeno ("úlcera de Curling"); insuficiência vascular, principalmente síndrome compartimental, disseminaçao intravascular disseminada; lesoes neurológicas, distrofia simpática reflexa, lesoes cardíacas e renais. É importante saber, quando a paciente é do sexo feminino, se ela está grávida9,11,12. Um estudo revelou que há uma taxa de mortalidade de 73% de morte fetal após gestantes terem sido acometidas por pequenas lesoes elétricas13.

As lesoes de baixa voltagem levam mais frequentemente a arritmia cardíaca que o grupo da alta voltagem. Entretanto, as lesoes causadas por alta voltagem acarretam em mais tratamentos, que exigem procedimentos cirúrgicos invasivos (amputaçoes, desbridamentos e enxertias), embolismo pulmonar, empiema de cotovelo e calcificaçao heterotópica2.

O desbridamento dos tecidos necróticos deve ser feito precocemente. Areas bem delimitadas de tecido necrótico estao associadas aos pontos de entrada e saída e devem também ser observadas. A avaliaçao completa da lesao tecidual e da necrose vascular resultante de corrente elétrica é melhor realizada em 8 a 10 dias após ocorrido o incidente. As indicaçoes para amputaçao sao sinais de lesao tecidual profunda (membro nao viável) ou foco séptico. Estes sinais sao edema, alteraçoes isquêmicas, perda motora ou sensorial, queimadura de terceiro grau através do trajeto da lesao sem evidência de queimadura por chamas na mesma área, deformidade em flexao persistente e foco infeccioso9.

O desbridamento seriado precoce de necrose extensa ou a amputaçao de membros (Figura 1) é realizado com o fim de diminuir a probabilidade de infecçao e diminuir a quantidade de toxinas e mioglobina liberadas pelo tecido lesado que poderiam ser absorvidos para a corrente sanguínea.


Figura 1 - Caso de paciente do gênero masculino submetido a amputaçao dos membros após queimadura elétrica.



Se a extremidade é claramente nao viável, a amputaçao deve ser feita no primeiro momento possível. O tempo da amputaçao é considerado precoce quando realizado em menos de 72 horas da admissao hospitalar2,6.

Apesar dos mais recentes desenvolvimentos no manejo clínico e cirúrgico do trauma elétrico de alta voltagem, este tipo de lesao continua a apresentar taxas elevadas de morbidade. Nas lesoes de extremidades, a incidência de sequela neurológica e taxas de amputaçao podem alcançar 70%, ainda que técnicas de desbridamento e descompressao sejam utilizadas2,10. Consequentemente, somente 5% dos pacientes que sofrem trauma elétrico de alta voltagem (mais de 1000 volts) sao aptos para retornar a seu trabalho10. As lesoes elétricas têm alta morbidade e baixa mortalidade quando comparadas a outras etiologias de queimaduras. O custo médio da internaçao de um paciente queimado por eletricidade é de US$ 14.9012.

As maiores sequelas sao limitaçao motora (dificuldade de caminhar e uso de próteses), lesoes neurológicas permanentes (parestesias, paresias e tonturas) e o aspecto estético do paciente.

O problema na prevençao destas lesoes é como ensinar e treinar as pessoas sobre os riscos potenciais de linhas de alta voltagem e adequar seu comportamento próximo destas áreas. Outro problema é a falta de sistemas elétricos subterrâneos com isolamento em países em desenvolvimento, onde a incidência destas lesoes é elevada. Consequentemente, as pessoas devem ser alertadas das lesoes que a eletricidade ocasiona por meio da mídia e de campanhas da prevençao.


REFERENCIAS

1. García-Sánchez V, Gomez Morell P. Electric burns: high- and low-tension injuries. Burns. 1999;25(4):357-60.

2. Hussmann J, Kucan JO, Russell RC, Bradley T, Zamboni WA. Electrical injuries: morbidity, outcome and treatment rationale. Burns. 1995;21(7):530-5.

3. Cunha MS, Milcheski D, Vana LPM, Nakamoto HA, Faes JC, Sturtz GP, et al. Experiência do Serviço de Queimaduras do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de Sao Paulo. Rev Bras Queimaduras. 2001;1(1):10-3.

4. Pereima MJL, Leal M, Capella MR, Goldberg P, Quaresma ER, Araújo EJ, et al. Análise de 573 crianças com queimaduras internadas no Hospital Infantil Joana de Gusmao. Rev Bras Queimaduras. 2001;1(1):41-8.

5. Leonardi DF, Weber FA, Vasconcellos PS, Laporte GA. Estudo epidemiológico retrospectivo de queimaduras em crianças no Estado do Rio Grande do Sul - Brasil. Rev Bras Queimaduras. 2001;2:10-4.

6. Çeliköz B, Sengezer M, Selmanpakoglu N. Four limb amputations due to electrical burn caused by TV antenna contact with overhead electric cables. Burns. 1997;23(1):81-4.

7. Esses SI, Peters WJ. Electrical burns: pathophysiology and complications. Can J Surg. 1981;24(1):11-4.

8. Ferreiro I, Meléndez J, Regalado J, Béjar FJ, Gabilondo FJ. Factors influencing the sequelae of high tension electrical injuries. Burns. 1998;24(7):649-53.

9. Fish RM. Electric injury, part I: treatment priorities subtle diagnostic factors, and burns. J Emerg Med. 1999;17(6):977-83.

10. Landecker A, Macieira L Jr. Penile and upper extremity amputation following high-voltage electrical trauma: case report. Burns. 2002;28(8):806-10.

11. Fish RM. Electric injury, part II: specific injuries. J Emerg Med. 2000;18(1):27-34.

12. Fish RM. Electric injury, part III: cardiac monitoring indications, the pregnant patient, and lightning. J Emerg Med. 2000;18(2):181-7.

13. Fatovich DM. Electric shock in pregnancy. J Emerg Med. 1993;11(2):175-7.










1. Cirurgiao Plástico, Membro Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Mestrado e Doutorado, ambos pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre Fundaçao Faculdade Federal de Ciências Médicas de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
2. Cirurgiao Oncológico da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre e Mestrando da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.
3. Cirurgiao Plástico, Membro Especialista e Titular da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Membro Titular do Colégio Brasileiro de Cirurgioes, Preceptor do Serviço de Cirurgia Plástica e do Grupo de Prevençao e Tratamento de Feridas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

Correspondência:
Gustavo Andreazza Laporte
Rua Schiller, 105/08
Porto Alegre, RS, Brasil - CEP 90430-150
E-mail: glaporte@pop.com.br

Recebido em: 18/10/2010
Aceito em: 11/1/2011

Trabalho realizado na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, Porto Alegre, RS, Brasil.

© 2024 Todos os Direitos Reservados