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Artigo Original

Amplitude de movimento e sua interferência na capacidade funcional de pacientes com sequelas de queimaduras

Movement range and its interference with the functional capacity of patients with burns sequels

Aida Carla Santana de Melo Costa1; Natanna Souza Santos2; Priscilla Crystina Martires Moraes2

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a amplitude de movimento de indivíduos com sequelas de queimadura e a interferência na capacidade funcional.
MÉTODO: Esta pesquisa foi do tipo transversal, descritiva e de campo, sendo a amostra selecionada por conveniência, consistindo de um estudo piloto. Utilizou-se o flexímetro Sanny para avaliaçao da amplitude de movimento e a Medida de Independência Funcional para avaliaçao da capacidade funcional do paciente queimado, seguindo um protocolo de avaliaçao confeccionado pelas próprias pesquisadoras. Este estudo foi realizado em um Centro de Reabilitaçao, incluindo-se pacientes com história de queimaduras há mais de seis meses.
RESULTADOS: Após a coleta, observou-se predomínio do gênero masculino, com queimaduras de 3º grau, decorrentes de agentes inflamáveis. Quanto à avaliaçao de amplitude de movimento, verificou-se que o ombro e o joelho foram as articulaçoes mais comprometidas. E quanto às atividades funcionais, as tarefas mais acometidas foram vestir parte superior e arrumar-se.
CONCLUSOES: Considerando-se a relevância desta pesquisa e a amostra reduzida por se tratar de um estudo piloto, sugere-se que sejam realizados novos estudos com um quantitativo maior de pacientes, a fim de que possa haver resultados mais consistentes acerca desta abordagem.

Palavras-chave: Queimaduras. Contratura. Amplitude de Movimento Articular.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To evaluate the range of motion of individuals with burn sequelae and interference in functional capacity.
METHOD: This was a cross-sectional, descriptive research, with the sample selected by convenience in the field, consisting of a pilot study. We used the Sanny fleximeter to evaluate the range of motion and the Functional Independence Measure for assessing the functional capacity of the burned patient, following an evaluation protocol made by the researchers themselves. This study was conducted at the Health Center, including patients with a history of burns for more than six months.
RESULTS: There was a predominance of males, with burns of 3nd degree, due to flammable agents. Limitation observed in several joints, with a predominance of elbow and ankle, reflecting directly on the functional capability shown by these individuals. The functional activities more affected were dress up and pack up.
CONCLUSIONS: Considering the relevance of this research and the reduced sample because it is a pilot study, it is suggested that further studies be conducted with a larger number of patients, so that there may be more consistent results about this approach.

Keywords: Burns. Contracture. Range of Motion, Articular.

INTRODUÇAO

As queimaduras sao definidas como uma injúria comum e grave na pele ou em outro tecido orgânico, caracterizadas por uma condiçao aguda e crônica debilitante1. Podem atingir, além da pele, tecidos corpóreos como suas camadas mais profundas, tendoes, músculos e ossos de forma parcial ou total, levando à reduçao da elasticidade tecidual, deformidades e limitaçoes na funcionalidade dos pacientes, atingindo mais articulaçoes como ombro, cotovelo, punho e pescoço, causando comprometimento em suas atividades de vida diária e perda de interaçao social2.

As queimaduras podem causar perda muscular severa, fraqueza muscular, cicatrizes hipertróficas e contraturas, levando o paciente a comprometimento físico. A fisioterapia e a terapia ocupacional, associadas ao suporte nutricional, melhoram a funcionalidade dos pacientes queimados3.

Este estudo justifica-se pela escassez de publicaçoes no meio científico que esclareçam a relaçao entre amplitude de movimento e a influência em seu convívio social, tornando-se necessária a sua realizaçao, a fim de que venha a contribuir com novos métodos ou protocolos de avaliaçao e reabilitaçao destinados ao paciente queimado.

Esta pesquisa tem como objetivo avaliar a amplitude de movimento do paciente com história de queimaduras e associar com a capacidade funcional do mesmo, observando a interferência dessas variáveis, bem como traçar um perfil geral da populaçao estudada.


MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa transversal, descritiva e de campo, com abordagem quantitativa, realizada durante o período de junho a novembro de 2016. O estudo foi desenvolvido em um Centro de Reabilitaçao localizado em uma cidade do Nordeste brasileiro. Realizou-se um estudo piloto com sete pacientes adultos, de ambos os gêneros, selecionados por conveniência, provenientes de uma Unidade de Tratamento de Queimados. Os pacientes avaliados apresentaram história de queimadura de 2º grau há mais de seis meses, período em que há remodelaçao do colágeno. Este estudo teve aprovaçao pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), sob protocolo de número 459.541, seguindo os termos da Resoluçao 196/96, versao 2012, do Conselho Nacional de Saúde.

Os pacientes foram avaliados por meio de uma ficha de avaliaçao previamente elaborada pelas pesquisadoras, contendo dados sociodemográficos e características da queimadura, como profundidade, porte e agente etiológico, local de acometimento, amplitude articular e nível de independência funcional. O recurso semiológico utilizado foi o flexímetro da marca Sanny para medir a amplitude articular do paciente.

Além disso, foi aplicada a Medida de Independência Funcional (MIF), utilizada para traçar prognóstico, como também para planejamento terapêutico, pois aborda atividades motoras e aspectos cognitivos. Os itens desta escala subdividem-se em 18 categorias, pontuadas de um a sete. Quanto menor a pontuaçao, maior é o grau de dependência, classificando o nível de dependência do indivíduo para cada tarefa.

As categorias sao subdivididas em: autocuidado (alimentaçao, higiene pessoal, banho, vestir parte superior, vestir parte inferior, utilizaçao do vaso sanitário), controle de esfíncteres (controle da urina e controle das fezes), transferências (leito, cadeira, cadeira de rodas, vaso sanitário, banheiro, chuveiro), locomoçao (marcha, cadeira de rodas, escadas), comunicaçao (compreensao, expressao) e cogniçao social (interaçao social, resoluçao de problemas, memória), totalizando um escore mínimo de 18 e máximo de 126 pontos, o que caracteriza os níveis de dependência4.

A pontuaçao de cada categoria varia de um a sete (1-7), de acordo com o grau de dependência: 1- Ajuda total; 2- Ajuda máxima (indivíduo realiza ≥ 25% da tarefa); 3- Ajuda moderada (indivíduo realiza ≥ 50% da tarefa); 4- Ajuda mínima (indivíduo realiza ≥ 75% da tarefa); 5- Supervisao; 6- Independência modificada; 7- Independência completa4.

Todas as informaçoes coletadas foram armazenadas em um banco de dados e, posteriormente, convertidas para análise estatística. Para isso, foram utilizadas frequências e porcentagens, bem como o teste de correlaçao de Pearson (correlaçao leve, moderada ou forte). Para os resultados, considerou-se significativo um valor de p≤0, 05.


RESULTADOS

Observou-se uma variaçao de idade de 10 a 34 anos, com predomínio do gênero masculino (71,43%) e de queimaduras de terceiro grau (100%), ocasionadas, principalmente, por agentes inflamáveis (85,72%). Entre os sete pacientes avaliados, cinco tiveram acometimento nas articulaçoes de joelho e cotovelo, quatro em tornozelo, três em punho e dois em ombro.

Houve correlaçao moderada entre os domínios motor (MIF motora) e cognitivo (MIF cognitiva), com r=0,4369 (Figura 1). Entre os pacientes que sofreram perda da funcionalidade em suas atividades de vida diária, verificou-se, por meio da avaliaçao da MIF motora, que os indivíduos apresentaram maior dificuldade para a realizaçao das atividades como arrumar-se e vestir parte superior (Figura 2).


Figura 1 - Correlaçao entre a MIF motora e a MIF cognitiva r=0,4369. MIF=Medida de Independência Funcional


Figura 2 - Valores atribuídos a cada atividade correspondente à MIF motora. MIF=Medida de Independência Funcional



A queimadura provoca limitaçao da amplitude em diversas articulaçoes, notadamente observada com os graus analisados de ombro (Figura 3). Quanto à articulaçao de punho, houve perda de amplitude de movimento para flexao, extensao e desvio ulnar, ocorrendo, em menor intensidade, alteraçao para desvio radial (Figura 4). Houve perda de amplitude para flexao e extensao de cotovelo e joelho, notando-se restriçao articular, favorecendo padrao patológico por contratura em flexao (Figura 5). Na articulaçao do tornozelo, nao houve perda de amplitude de movimento para flexao dorsal e inversao, ocorrendo uma maior perda articular para os movimentos de flexao plantar e eversao (Figura 6).


Figura 3 - Amplitude de movimento referente ao acometimento da articulaçao do ombro.


Figura 4 - Amplitude de movimento referente ao acometimento da articulaçao do punho.


Figura 5 - Amplitude de movimento referente ao acometimento das articulaçoes de cotovelo e joelho.


Figura 6 - Amplitude de movimento referente ao acometimento em articulaçao do tornozelo.



DISCUSSAO

O gênero masculino foi predominante. Esses resultados corroboram os achados desta pesquisa, com 71,43% do gênero masculino5. A faixa etária mais acometida foi de 1 a 20 anos (49%), seguida dafaixa de 21 a 40 anos (37%) e de acima de 41 anos (14%)6. Nesta pesquisa, a variaçao de idade foi de 10 a 34 anos.

O álcool líquido apresentou maior incidência, acometendo 236 (34,4%) pacientes, seguido de líquidos superaquecidos (28,1%)7. Na atual pesquisa, o agente causal mais frequentemente encontrado foi produto inflamável (85,72%).

De acordo com a Validaçao da Versao Brasileira da MIF, a correlaçao diretamente proporcional de uma alta MIF motora com uma alta MIF cognitiva e vice-versa pode estar ligada ao círculo vicioso formado pela inatividade física e queda do estado cognitivo. Apresenta a evoluçao dos valores médios da MIF, bem como seus domínios motor e cognitivo, desde o início até o final da reabilitaçao8. Neste estudo, foi identificada uma correlaçao moderada (r=0,4369) entre a MIF motora e a MIF cognitiva.

Os membros superiores foram alvos de maior comprometimento pelas sequelas, atingindo 50% dos pacientes. Os membros inferiores atingiram 25% dos pacientes. O ombro é uma das regioes que apresenta um dos maiores índices de retraçoes com limitaçao funcional. Na área do cotovelo e joelho, ocorrem muitas contraturas devido à posiçao fletida adquirida por estes5. Esta afirmaçao é coincidente com os resultados encontrados neste estudo, em que a maior limitaçao articular observada foi em ombro e punho. E permanecendo cotovelo e joelho como áreas que mais limitam seu arco de movimento devido às contraturas adquiridas.

As deformidades cicatriciais da queimadura podem trazer reduçao do movimento, comprometendo mais o lado flexor pelo fato de os músculos flexores serem mais fortes. Comumente, as contraturas de membros superiores geram deformidades, causando aduçao de ombro e flexao de cotovelo, impedindo a sua funcionalidade correta9.

Referindo-se ainda ao estudo sobre atividades diárias, verificou-se que uma das principais dificuldades diárias enfrentadas pelos pacientes foi vestir-se, pelo fato de que os membros superiores foram os mais acometidos, justificando as limitaçoes para a realizaçao de muitas outras atividades, como pentear os cabelos, escovar os dentes, barbear-se, lavar o rosto, alimentar-se, sendo a atividade de vestir-se elencada como uma das mais difíceis, dentre as atividades em geral10, corroborando a atual pesquisa, em que o maior comprometimento funcional foi para vestir parte superior e arrumar-se.

Em um estudo11, as áreas consideradas mais atingidas por acidentes de queimaduras foram: face, maos, pés, genitália e áreas flexoras, incluindo regiao cervical, axilar, do cotovelo e poplítea. Isso se deve à maior complexidade anátomo-funcional e à facilidade de complicaçoes, como retraçoes cicatriciais severas e incapacidade funcional, o que causa grandes deformidades e limitaçao dos movimentos normais.

Em caso de lesao de ombro, a contratura da cicatriz causa restriçao dos movimentos de abduçao do membro superior atingido e, em casos severos em que o movimento é restringido a menos de 90º graus, sua funçao na vida diária é consideravelmente prejudicada. Deve ser feito o máximo esforço para garantir a reconstruçao axilar em caso de contraturas, visto que a axila é uma regiao com atividade multidirecional e as contraturas cicatriciais tendem a ocorrer facilmente11. Nesta pesquisa, o ombro correspondeu ao segmento articular mais comprometido.

As atividades mais acometidas nos indivíduos pesquisados, em se tratando de sua funcionalidade, foram o vestir-se, tomar banho e amarrar sapatos, determinando graves limitaçoes aos pacientes, pela importante funçao que o membro exerce nas atividades diárias. O tratamento inadequado e a ausência de exercícios de reabilitaçao após as queimaduras, inevitavelmente, resultam em contraturas que prejudicam a capacidade funcional da regiao do corpo afetada12.

A cicatrizaçao obtida após a queimadura pode causar formaçao de aderências que irao limitar a amplitude de movimento. Isso compromete os índices de recuperaçao, aumentando as sequelas e reduzindo a capacidade física e psicológica, o que dificulta a reintegraçao do indivíduo à sociedade13.


CONCLUSAO E CONSIDERAÇOES FINAIS

Com esta pesquisa, observou-se que a variaçao de idade dos pacientes avaliados foi de 10 a 34 anos, sendo prevalente o gênero masculino, com história de queimaduras de terceiro grau ecom predominância de produtos inflamáveis. Quanto à avaliaçao da amplitude de movimento, verificou-se que o ombro correspondeu à articulaçao mais atingida. Em se tratando da MIF, notou-se correlaçao moderada entre a MIF motora e MIF cognitiva e, quando avaliadas as atividades funcionais do domínio motor, encontrou-se que o maior comprometimento apresentado foi para a realizaçao do vestir parte superior e arrumar-se.

Considerando-se a relevância desta pesquisa e a amostra reduzida por se tratar de um estudo piloto, sugere-se que sejam realizados novos estudos com um quantitativo maior de pacientes, a fim de que possa haver resultados mais consistentes acerca desta abordagem.


REFERENCIAS

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13. Monteiro JCF. Massoterapia como recurso fisioterapêutico na reabilitaçao de cicatriz no paciente queimado: revisao de literatura [Trabalho de Conclusao de Curso]. Goiânia: Centro de Estudos Avançados e Formaçao Integrada; 2013.









Recebido em 2 de Janeiro de 2017.
Aceito em 23 de Março de 2017.

Local de realização do trabalho: Hospital de Urgência de Sergipe, Aracaju, SE, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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