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Artigo Original

Análise das variáveis dor e equilíbrio em pacientes admitidos em uma unidade de tratamento de queimados

Analysis of pain and balance variables in patients admitted on a burned treatment unit

Aida Carla Santana de Melo Costa1; Denieire Lima dos Santos2; Jéssyka Lopes Neves da Silva3

RESUMO

OBJETIVO: Analisar as variáveis equilíbrio e dor no paciente queimado.
MÉTODO: A amostra foi composta por 16 pacientes, sendo o estudo transversal, descritivo e de campo, com abordagem quantitativa, desenvolvido em uma Unidade de Tratamento de Queimados. Para a coleta de dados, utilizou-se uma ficha de avaliaçao contendo dados sociodemográficos, a Escala Visual Analógica e a Escala de Equilíbrio de Berg, a fim de correlacionar relato de dor com o equilíbrio apresentado pelo paciente queimado.
RESULTADOS: Dos pacientes avaliados, 83,84% eram do sexo masculino, com média de idade de 31,50 anos, sendo que 39,84% das queimaduras foram causadas por produtos inflamáveis. Quando comparadas as variáveis equilíbrio e dor, notou-se que o comprometimento do equilíbrio do paciente queimado foi inversamente proporcional à dor referida, isto é, quanto maior a dor, menor o equilíbrio.
CONCLUSAO: A investigaçao do paciente queimado deverá ser minuciosa, uma vez que diversas limitaçoes coexistem, sendo necessária uma abordagem mais abrangente incluindo avaliaçao do equilíbrio e dor, a fim de que seja elaborado um protocolo de tratamento mais efetivo para a reabilitaçao desses indivíduos.

Palavras-chave: Queimaduras. Equilíbrio Postural. Medição da Dor. Unidades de Queimados.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To analyze balance and pain variables on burned patient.
METHODS: The sample consisted of 16 patients, with a cross-sectional, descriptive and field study, with a quantitative approach, developed at Burn Treatment Unit. Data were collected using an evaluation form containing general data, Visual Analogue Scale and Berg Balance Scale to correlate the pain report with balance presented by burned patient.
RESULTS: 83.84% of evaluated patients were male, with a mean age of 31.50 years old, and 39.84% of burns were caused by inflammable products. When balance and pain variables were compared, it was observed that the compromised balance of the burned patient was inversely proportional to referred pain, that is, higher pain correspond to lower balance.
CONCLUSION: The investigation of burned patient should be detailed, because several limitations coexist, requiring a more comprehensive approach including balance and pain assessment, in order to develop a more effective treatment protocol for rehabilitation of these individuals.

Keywords: Burns. Postural Balance. Pain Measurement. Burn Units.

INTRODUÇAO

As alteraçoes fisiopatológicas que acontecem no organismo da vítima queimada trazem consequências intensas e variadas, acarretando manifestaçoes clínicas e danos funcionais mutáveis de acordo com a profundidade e a extensao da lesao. A avaliaçao semiológica é fundamental no tratamento de um paciente queimado, uma vez que cada uma das diferentes classificaçoes das queimaduras apresentar-se-á com um quadro clínico diferente, podendo interferir no curso da terapêutica. Além da superfície corporal atingida, as condiçoes fisiológicas da inflamaçao e os aspectos funcionais irao exercer impacto sobre o quadro motor desenvolvido durante o atendimento hospitalar, como as cicatrizes hipertróficas, queloides, rigidez articular, contraturas de tecidos moles e/ou articulares1.

O fisioterapeuta na unidade de queimados é essencial, uma vez que possui conhecimento das sequelas sistêmicas e suas complicaçoes, podendo realizar as abordagens terapêuticas2. A dor presente logo após a queimadura é devido à estimulaçao direta e à lesao de nociceptores presentes na epiderme e na derme, o que leva à transmissao de impulsos nervosos pelas fibras C e A-delta até o corno dorsal da medula espinal3.

O equilíbrio, ou controle postural, pode ser definido como o processo pelo qual o Sistema Nervoso Central gera os padroes de atividade muscular necessários para regular a relaçao entre o centro de gravidade e a base de suporte4. O paciente acamado tornase descondicionado, e o posicionamento inadequado com falta de mobilizaçao predispoe a modificaçoes morfológicas dos músculos e tecidos conjuntivos, o que reduz sua capacidade de executar exercícios aeróbicos e diminui sua tolerância aos esforços5.

Este estudo justifica-se pela escassez de trabalhos científicos em fisioterapia no paciente queimado, especialmente no aspecto semiológico, sendo o objetivo desta pesquisa avaliar as variáveis equilíbrio e dor no paciente queimado, correlacionar relato de dor com o equilíbrio apresentado, bem como equilíbrio com idade, correlacionar agente causal com sexo, assim como agente causal com idade e agente causal com superfície corporal queimada.


MÉTODO

O estudo foi transversal, descritivo e de campo, com abordagem quantitativa, desenvolvido em uma Unidade de Tratamento de Queimados. A amostra foi por conveniência (n=16), sendo incluídos pacientes de ambos os sexos, estáveis, com queimaduras decorrentes de qualquer agente causal e profundidade. Foram excluídos pacientes com contraturas e/ou deformidades articulares prévias à queimadura, rebaixamento do nível de consciência, doenças de base que ocasionem edema prévio, miopatias em geral, alteraçao de sensibilidade, idade acima de 60 anos, queimaduras de regiao plantar e de membros superiores.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob protocolo de nº 110.213, sendo assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelos participantes do estudo.

A avaliaçao foi feita de julho a setembro de 2016, pelas próprias pesquisadoras, no período matutino, com uso de uma ficha de avaliaçao previamente elaborada pelas pesquisadoras, contendo dados sociodemográficos, e características da queimadura. Os pacientes foram abordados diretamente na própria unidade hospitalar após o banho.

Para avaliaçao do equilíbrio, foi utilizada a Escala de Equilíbrio de Berg (EEB), validada no Brasil, com excelente confiabilidade, a qual consiste de uma avaliaçao funcional do desempenho do equilíbrio, por meio de 14 tarefas comuns do dia-a-dia que avaliam controle postural, equilíbrio dinâmico e flexibilidade, nas posturas sentada, em pé e durante a realizaçao das tarefas6. Quanto menor a pontuaçao, maior o risco de quedas; quanto maior a pontuaçao, melhor o desempenho funcional7.

A avaliaçao da dor foi realizada através da Escala Visual Analógica (EVA), instrumento validado no Brasil, de fácil aplicaçao, com o paciente indicando o grau de dor referida no momento, sendo uma forma adequada para estimar a intensidade do quadro álgico8. Todos os pacientes inseridos no estudo eram submetidos à fisioterapia motora uma vez ao dia, sendo essa abordagem terapêutica realizada após a referida avaliaçao. Além disso, fármacos analgésicos nao eram administrados a esses pacientes.

Todas as informaçoes coletadas foram armazenadas em um banco de dados elaborado com auxílio do software Excel 2013 e convertidas para análise, sendo submetidas a tratamento estatístico. Para isso, utilizou-se análise de frequência, além do teste Qui- Quadrado e Kruskal-Wallis, sendo os resultados representados por figuras.


RESULTADOS

A partir da coleta de dados realizada, observou-se que houve prevalência do sexo masculino (83,84%). Quanto à idade, a média obtida foi de 31,50 anos. Com relaçao ao agente causador, notou-se prevalência de produtos inflamáveis (39,84%) e líquidos superaquecidos (31,71%). Pacientes com menor idade obtiveram uma maior Superfície Corporal Queimada (Figura 1). Quando relacionados dor e equilíbrio, notou-se que pacientes com um nível elevado de dor, pela EVA, manifestaram um déficit de equilíbrio, por meio da mensuraçao pela EEB (Figura 2).


Figura 1 – Relaçao entre Superfície Corporal Queimada (SCQ) e idade.


Figura 2 – Relaçao entre equilíbrio e dor, através da Escala de Equilíbrio de BERG e Escala Visual Analógica (EVA).



De acordo com os dados obtidos, observou-se que pacientes com idade mais avançada obtiveram um escore alto na EEB, o que é indicativo de baixo risco para queda. Esse resultado demonstrou que nao há interferência da idade no equilíbrio do paciente queimado (Figura 3). Os pacientes com menor Superfície Corporal Queimada apresentaram maior equilíbrio, ou seja, quanto maior a extensao da queimadura, menor o equilíbrio apresentado (Figura 4).


Figura 3 – Relaçao entre equilíbrio e idade, com o uso da Escala de Equilíbrio de BERG.


Figura 4 – Relaçao entre Superfície Corporal Queimada (SCQ) e equilíbrio, com o uso da Escala de Equilíbrio de BERG.



DISCUSSAO

Um estudo evidenciou maior incidência de queimaduras em pacientes do sexo masculino9, corroborando outro estudo, com predomínio de homens vítimas de queimaduras10. No presente estudo, também foi observada prevalência do sexo masculino. Uma pesquisa realizada com pacientes queimados identificou predomínio de idade na faixa etária compreendida entre 31 e 50 anos, seguido de 19 a 30 anos11. No atual estudo, observou-se uma faixa etária de pacientes queimados variando de 17 a 54 anos.

Quanto à profundidade da queimadura, as lesoes de segundo grau foram as mais frequentes, seguidas de 3º grau e de 1º grau12. Na presente pesquisa, todos os pacientes avaliados apresentavam queimaduras de segundo grau (100% da amostra). Os principais agentes causadores de queimadura foram líquido inflamável e líquido aquecido11. No atual estudo, a prevalência também foi de queimaduras por líquidos inflamáveis, seguida de escaldadura.

Em relaçao à escala utilizada para mensurar dor (EVA), foi possível perceber que os escores máximos (obtidos pelas médias dos escores de dor durante os sete dias) estao concentrados nos períodos imediatamente antes do banho e curativo (71,29) e imediatamente depois do banho e curativo (82,36)13. Neste estudo, foi constatado um aumento da dor relatada pelos pacientes avaliados após o banho, momento em que foi aplicada a EVA.

A EEB vem sendo amplamente utilizada para avaliaçao do equilíbrio estático, apresentando elevada confiabilidade na aplicaçao. Até o momento, nao foram encontrados na literatura estudos que avaliem o equilíbrio do paciente queimado. Isso se deve, possivelmente, ao fato de que o equilíbrio corporal costuma ser apontado como um dos critérios a serem analisados em pacientes idosos ou que apresentam algum déficit de ordem neurológica14.

No entanto, sabe-se que a queimadura repercute na amplitude de movimento e na força muscular, bem como está relacionada ao imobilismo do paciente, o que pode ser traduzido como fatores que contribuem para o comprometimento do equilíbrio por alteraçoes posturais adotadas durante o processo de hospitalizaçao.

Houve também referência a uma correlaçao moderada entre a pontuaçao da EEB e a pontuaçao da EVA (r=0,469), bem como significância estatística (p<0,001), sugerindo que quanto maior a dor manifestada pelo paciente, pior seu equilíbrio funcional. Essa afirmaçao é constatada no presente estudo, visto que o comprometimento do equilíbrio do paciente queimado foi diretamente proporcional à dor referida.


CONCLUSAO

Nesta pesquisa, a maioria dos pacientes foi do gênero masculino, com média de idade de 31,50 anos, vítimas de queimaduras de segundo grau, ocasionadas, principalmente, por líquidos inflamáveis e escaldadura. Os sujeitos do estudo relataram dor durante a permanência hospitalar. Houve relaçao direta entre equilíbrio e dor, observando-se que o aumento do nível da dor repercutiu negativamente no comprometimento do equilíbrio. Encontrou-se também neste estudo que a idade nao interferiu no equilíbrio desses pacientes, porém, houve relaçao direta entre a superfície corporal queimada e o equilíbrio.

Diante dos resultados obtidos, verifica-se que a investigaçao do paciente queimado deverá ser minuciosa, uma vez que diversas limitaçoes coexistem, sendo necessária uma abordagem mais abrangente, com uma amostra mais representativa, incluindo avaliaçao do equilíbrio, bem como da dor, a fim de que seja elaborado um protocolo de tratamento mais efetivo para a reabilitaçao desses indivíduos, contribuindo assim para a prática de cuidado da fisioterapia e da equipe de saúde.


REFERENCIAS

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Recebido em 3 de Fevereiro de 2017.
Aceito em 1 de Junho de 2017.

Local de realização do trabalho: Universidade Tiradentes, Aracaju, SE, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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