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Artigo Original

Análise da superfície corporal queimada com o aplicativo E-burn® no Hospital Infantil Joana de Gusmão

Analysis of burned body surface with the E-burn® app at the Joana de Gusmão Children’s Hospital

Beatriz Cristina Mohr1; Johny Grechi Camacho2; Rodrigo Feijó2; Felippe Flausino Soares2; Bruna Baioni Sandre Azevedo2; João Paulo Picasky2; Ana Laura Luzardi2; Maurício José Lopes Pereima1

DOI: 10.5935/2595-170X.20240024

RESUMO

INTRODUÇÃO: As queimaduras são um importante problema de saúde pública, e crianças menores de 6 anos são a faixa etária mais acometida com líquidos superaquecidos. O cálculo correto da reposição volêmica e a reposição hidroeletrolítica estão diretamente relacionados com a extensão da superfície corporal queimada (SCQ). Novas tecnologias com aplicativos para telefones celulares como E-burn® avaliam a SCQ e calculam a reposição hídrica a partir da Fórmula de Parkland, estimando variáveis a partir de desenhos gráficos.
OBJETIVOS: Analisar a confiabilidade na avaliação SCQ entre E-burn® e Lund e Browder avaliando a segurança do seu uso do E-burn® na rotina médica do Hospital Infantil Joana de Gusmão (HIJG) em Florianópolis, SC.
MÉTODO: Análise de 31 pacientes de novembro de 2022 a março de 2023 e comparando a SCQ calculada pelo serviço médico de origem e avaliação no E-burn® e tabela de Lund Browder no momento da chegada ao HIJG.
RESULTADOS: Foram observadas diferenças estatisticamente significantes entre o percentual da SCQ em função do método diagnóstico (p<0,05). O percentual da SCQ foi estatisticamente inferior na avaliação feita pelos métodos E-burn® e Lund Browder comparados à avaliação clínica do hospital de origem (p=0,03 para ambos). Quando comparado aplicativo E-burn® e a tabela de Lund e Browder, no HIJG, a confiabilidade foi alta (p<0,01).
CONCLUSÕES: O uso do aplicativo E-burn® mostrou-se com alta confiabilidade, concordância e ausência de diferença quando comparado à tabela Lund e Browder, sendo seguro para a prática clínica na Unidade de Tratamento aos Queimados no HIJG.

Palavras-chave: Queimaduras. Superfície Corporal. Aplicativos Móveis. Criança

ABSTRACT

INTRODUCTION: Burns are an important public health problem, and children under 6 years of age are the most affected group, with overheated liquids. The correct calculation of volume replacement and hydroelectrolytic replacement are directly related to the extent of the burned body surface (TBSA). New technologies for mobile phones such as E-burn® evaluate the TBSA and calculate the water replacement from the Parkland Formula, estimating variables from graphic drawings.
OBJECTIVES: To analyze the reliability of the TBSA evaluation between E-burn® and Lund and Browder, evaluating the safety of the use of E-burn® in the medical routine of the Joana de Gusmão Childrens Hospital (HIJG) in Florianópolis, SC.
METHODS: Analysis of 31 patients from November 2022 to March 2023 and compared to the SCQ calculated by the medical service of origin and E-burn® and Lund Browder table evaluation at arrival at the HIJG.
RESULTS: Statistically significant differences were observed between the percentage of TBSA as a function of the diagnostic method (p<0.05). The percentage was statistically lower in the evaluation made by the E-burn® and Lund Browder methods compared to the clinical evaluation in the hospital of origin (p=0.03 for both). The values between the e-Burn application and the Lund and Browder table in the HIJG, the reliability was high (p<0.01).
CONCLUSIONS: The use of the E-burn® application was shown to have high reliability, agreement and absence of difference when compared to the Lund and Browder table, being safe for clinical practice in the Burn Treatment Unit at HIJG.

Keywords: Burns. Body Surface Area. Mobile Applications. Child

INTRODUÇÃO


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), cerca de 265.000 pessoas morrem devido a queimaduras anualmente. No Brasil estima-se que ocorram aproximadamente 1.000.000 de acidentes com queimadura sendo que, destes, 2500 vão a óbito1.


Os acidentes por queimaduras ocorrem em todas as faixas etárias. Segundo estudo realizado pela Sociedade Brasileira de Epidemiologia, houve predomínio de homens (57%) e posteriormente de mulheres (43%)2.


Entre os pacientes pediátricos de 0 a 15 anos, a ocorrência maior é em crianças entre 0 a 4 anos de idade, devido a acidentes domésticos3. A cozinha torna-se o ambiente de maior risco2, com agente causador mais comum, líquido quente3, podendo causar queimaduras com os mais variados graus de gravidade.


Os pacientes vítimas de queimaduras são considerados pacientes politraumatizados e devem ser avaliados no atendimento primário e secundário seguido do plano de tratamento e transferência para centros especializados, se necessário. Abordagens, estas, realizadas de acordo com Advanced Burn Life Support (ABLS)®, Emergency Management of Severe Burns (EMSB)®4, Advanced Trauma Life Support ATLS®, Advanced Life Support da International Society for Burns Injuries e Consenso Nacional de Normatização de Atendimento ao Queimado (CNNAQ) da Sociedade Brasileira de Queimaduras, disponível no site da mesma (https://sbqueimaduras.org.br).


Pacientes pediátricos com queimaduras superiores a 10% da superfície corporal queimada (SCQ) tendem a ter um aumento da permeabilidade capilar, resultando na diminuição do volume intravascular, particularmente nas primeiras 24 horas. Por isso, deve ser realizada a reposição de volume4 proporcionalmente à SCQ, evitando tanto a hipovolemia quanto a hidratação excessiva, que pode levar ao fenômeno chamado de "fluid creep"5.


Para o cálculo da ressuscitação volêmica, as fórmulas mais comumente utilizadas são a Parkland e Brooke modificadas baseadas na SCQ, que guiam a ressuscitação volêmica com o objetivo de titular o fluido, nas primeiras 24 horas, para manter um débito urinário de 0,3 a 0,5ml/kg/h em adultos e 1 a 2ml/kg/h em crianças4,5.


Apesar de ser de extrema importância para a prática clínica, a avaliação da SCQ pela regra dos 9 ou tabela de Lund e Browder (LB) em crianças é complexa e, além de atrasar o atendimento médico, pode estar sujeita a erros6,7.


Mediante isso, cada vez mais estão sendo incorporados à rotina médica aplicativos de celulares que permitem calcular a SCQ e, consequentemente, a reposição hídrica, quando indicado. O objetivo desses aplicativos é diminuir a taxa de erros e otimizar as decisões terapêuticas. De acordo com a literatura, há mais de 30 aplicativos disponíveis para download, com destaque para Mersey-Burns (MB)8, já validado, e E-burn® (EB), ainda não validado pela literatura. O aplicativo EB vem sendo utilizado na Unidade de Tratamento aos Queimados do HIJG.


Desta forma, para uma utilização segura desta nova ferramenta de avaliação é necessário comparar os resultados das SCQ utilizando o EB com os métodos tradicionais de avaliação, como a tabela de LB.


Objetivo


Analisar como o uso do aplicativo EB, no atendimento em pacientes queimados, impacta e melhora a qualidade da assistência médica no Hospital Infantil Joana de Gusmão, avaliando a equivalência na avaliação SCQ entre EB e LB, EB e hospital de origem e LB e hospital de origem.


MÉTODO


Foi realizado um estudo prospectivo descritivo horizontal (CAAE nº 55805722.3.0000.5361) com pacientes do Centro de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão, centro de referência para pacientes pediátricos para o estado de Santa Catarina, no Sul do Brasil, localizado na cidade de Florianópolis.


Os pacientes selecionados para o presente estudo foram internados devido a queimaduras agudas, uma vez preenchidos os critérios de inclusão para o estudo. Estes abrangiam todos os pacientes com queimaduras agudas, independentemente da extensão da SCQ e profundidade da queimadura. Para este estudo, não foram adotados critérios de exclusão.


Através do prontuário eletrônico do HIJG, foram analisados os dados epidemiológicos de idade, SCQ, mecanismo de trauma e do encaminhamento do hospital de origem, quando presente, em relação ao cálculo da SCQ e volume de reposição hídrica quando realizado, em comparação com os resultados obtidos pelo EB, aplicado pela equipe médica da Unidade de Queimados da HIJG.


O cálculo da SCQ pelo EB é realizado por meio de um diagrama gráfico que simula o paciente pediátrico conforme idade, peso e estatura, também disponíveis para escolha no aplicativo. O cálculo por meio da tabela de LB é realizado por meio de uma figura com as regiões do corpo humano delimitadas, acompanhada de uma tabela que especifica a porcentagem que cada segmento do corpo corresponde, conforme idade. Este cálculo foi realizado posteriormente pelo observador independente treinado, através das imagens contidas na ficha de evolução dos pacientes do HIJG (material das imagens do EB e LB).


A análise estatística foi realizada no software IBM SPSS Statistics® versão 20.0. Foi utilizada estatística descritiva por meio do uso de medidas de tendência central, dispersão e frequências. Para as variáveis quantitativas, foi utilizada a mediana como medida de tendência central e o intervalo interquartil como medida de dispersão. Para as variáveis qualitativas nominais e ordinais, foram apresentadas as frequências absolutas e relativas. A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste de Shapiro-Wilk.


A comparação da superfície corporal queimada em função do método diagnóstico foi realizada por meio do teste de Friedman. As comparações post-hoc foram verificadas por meio do teste de Wilcoxon. A confiabilidade entre os métodos SCQ foi verificada por meio do Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI), utilizando o modelo de duas vias misto. Os limites de concordância entre de avaliação da superfície corporal queimada entre os métodos EB e LB foram verificados por meio da representação gráfica de Bland-Altman. O nível de significância adotado foi de 5% (p<0,05).


RESULTADOS


Foram analisados 31 pacientes com mediana de idade de 2 (IQ 4,25) anos, com queimaduras de 2º grau. Dos 31 pacientes, em quatro não foi possível calcular através da tabela de LB devido à ausência das fotos tirada no momento da chegada do paciente, no prontuário médico. Além disso, foram coletados dados epidemiológicos em relação à faixa estaria mais acometida, o agente causador mais comum e os objetos que continham o agente causador das queimaduras.


De acordo com a classificação da faixa etária pediátrica pelos critérios de Marcondes, nota-se que os lactentes foram a faixa etária mais acometida pelos acidentes por queimaduras (35,48% dos casos). Seguidos pelos pré-escolares em 29,03% e escolares em 25,8%. 96,77% dos acidentes por queimaduras ocorreram em ambiente domiciliar, destacando-se a cozinha em 96,66% dos casos; 90,32% dos acidentes por queimaduras aconteceram por líquidos quentes, sendo a água quente o principal subgrupo (74,19% dos casos). Destacamos que chaleira elétrica foi o principal mecanismo de queimadura por líquidos aquecidos, em 32,14% dos acidentes, sendo este um mecanismo recente de causa de queimaduras em nosso meio (Tabelas 1 e 2).


 



 


 




 


Foram observadas diferenças estatisticamente significantes na comparação entre o percentual da SCQ em função do método diagnóstico (p<0,05). O percentual da SCQ foi estatisticamente inferior na avaliação feita pelos métodos EB e LB comparados à avaliação clínica (p=0,03 para ambos). Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes no percentual da superfície corporal queimada entre os métodos EB e LB (p=0,13).


A confiabilidade da medida de SCQ avaliada pelos métodos EB e LB foi alta (CCI = 0,90 [IC95% 0,79 - 0,95], p<0,01) (Figura 1). A confiabilidade entre a AC e os métodos EB e LB não foi testada em função do pequeno tamanho amostral do método da AC.


 



 


DISCUSSÃO


Considerando que as queimaduras em crianças são uma causa importante de trauma e que são potencialmente preveníveis, é importante analisar inicialmente variáveis epidemiológicas.


Os acidentes por queimadura prevaleceram em ambiente domiciliar, com predomínio em lactentes do sexo masculino, na faixa etária entre 1 ano e 2 anos incompletos, sendo o líquido aquecido o agente causador mais comum de queimaduras nesta população pediátrica. Como esta faixa etária depende de cuidados integrais, tendem a acompanhar seus responsáveis nos afazeres do dia a dia, submetendo-se a situações de perigo devido ao instinto de curiosidade comum para idade. A cozinha é o ambiente domiciliar mais comum de acidentes por queimaduras, devido à exposição de panelas, bules, xícaras etc.


Porém, atualmente, a chaleira elétrica vem ganhando um espaço significativo na causa de acidentes com líquidos quentes. Neste estudo 32,14% (n=23) dos acidentes ocorrem por meio da chaleira elétrica, que é uma nova forma de queimadura por líquidos aquecidos que tem ganhado destaque em epidemiologia e deve ser melhor analisado, principalmente no que se refere a medidas de segurança em relação a sua manipulação por crianças.


Esta pesquisa tem como objetivo analisar a equivalência da avaliação da SCQ entre EB vs. LB, EB vs. AC e LB vs. AC. Os resultados analisados demonstraram que o uso do aplicativo EB teve alta reprodutibilidade, com um índice de confiabilidade de que varia de alto à excelente (Figura 1), p<0,01. Além disso, apresentou uma alta concordância entre os dois métodos (Figura 2). Ou seja, o uso do aplicativo EB demonstrou-se equivalente no cálculo da SCQ quando comparado à LB, método de cálculo já validado pela literatura médica, podendo, desta forma, afirmar sua segurança no uso da prática clínica.


 



 


Foram observadas diferenças estatisticamente significantes na comparação entre o percentual da SCQ em função do método diagnóstico, p<0,05 (Tabela 2). Ou seja, a maioria das crianças tiveram uma SCQ estimada muito maior pela AC do hospital de origem quando comparado com o cálculo da SC pelo aplicativo EB realizado pela equipe médica do serviço de queimados do HIJG e pela tabela de LB, realizado por um avaliador independente treinado. Não houve diferença significativa do cálculo da SCQ entre os métodos EB e LB (p=0,049787), dado que corrobora estatisticamente para afirmar que o cálculo da SCQ pelo EB é equivalente ao LB.


Um estudo realizado por Chong et al.8 comparou a facilidade e precisão do uso dos aplicativos MB e EB e da tabela de LB para estimar a porcentagem da superfície corporal queimada. Observou-se que o uso dos aplicativos foi mais eficiente na precisão de resultados, sendo preferíveis em relação ao uso da tabela de LB. Dentre os aplicativos, o EB foi o que se destacou, tendo mais respostas positivas no quesito acessibilidade e facilidade de uso8. Outro estudo comparando uso de aplicativos com o método da calculadora tradicional demostrou que o uso dos aplicativos foi significativamente mais rápido (p=0,013)6.


Por isso, o aplicativo EB já vem sendo utilizado amplamente pela equipe médica da Unidade de Queimados do Hospital Infantil Joana de Gusmão, a fim de agilizar o atendimento e melhorar a qualidade do cálculo da SCQ com intuito de otimizar as condutas necessárias para um bom desfecho clínico do paciente pediátrico queimado. Os resultados apresentados corroboram com a alta confiabilidade e concordância do uso do aplicativo, demonstrando que seu uso na prática clínica é seguro (Figuras 1 e 2).


Um dos maiores desafios no tratamento dos pacientes queimados é o cálculo da SCQ6, pois define o tratamento clínico através da ressuscitação hídrica, adequação nutricional e prognóstico do paciente6. Na população pediátrica em especial, devido à variação da porcentagem conforme a idade, utiliza-se a tabela de LB, que relaciona os vários seguimentos do corpo com sua superfície em diferentes faixas de idade. Apesar de resolver o problema em se estimar superfícies queimadas de forma precisa nas diferentes faixas etárias, o manuseio desta tabela criou a necessidade de se possuir uma cópia, já que sua memorização é extremamente difícil, seu uso é complexo, pouco prático, podendo retardar o atendimento de urgência9.


Segundo o estudo de Chong et al., o cálculo da SCQ através da tabela de LB pode levar a erros processuais, devido a erros matemáticos, não só por falta de atenção como também pela falta de domínio de conceitos básicos8.


Visando estabelecer uma maior segurança no uso de aplicativos celulares utilizados na prática médica, foi realizada nesta pesquisa a comparação do cálculo da SCQ pelo EB e LB por meio de testes estatísticos que validaram a equivalência do aplicativo EB e a tabela de LB. O cálculo da SCQ entre EB e LB demonstrou alta confiabilidade entre os dois métodos (p<0,01). A Figura 1 demonstra a medida de confiabilidade através do CCI, medida que varia de 0 a 1, sendo 1 a reprodutibilidade perfeita.


Ao comparar a cálculo da SCQ entre EB e LB, o CCI deste estudo foi de 0,9 considerado um valor de excelência para afirmar a equivalência entre os dois métodos. Para reforçar este dado, foi calculado um IC de 95%, que representa um intervalo de confiança com limite inferior 0,79 e superior de 0,95. Ou seja, em 95% das vezes em que fosse calcular a SCQ com o EB o valor de CCI ficaria ainda assim em um nível concordância com a LB entre bom e excelente.


A Figura 2 corrobora com os dados e resultados citados acima. Através dele é demonstrada a concordância entre o cálculo da SCQ do EB e do LB. Pode-se observar que a amostra está majoritariamente numa diferença entre 0 e - 2,5% do cálculo da SCQ entre os dois métodos, dado considerado relevante, à medida que o cálculo da SCQ varia de 0 a 100%.


Somando o conjunto de análises estatísticas citadas anteriormente (Figuras 1 e 2), conclui-se de forma segura que o cálculo da SCQ através do aplicativo EB é equivalente à tabela de LB, considerada padrão ouro, no cálculo da SCQ dos pacientes pediátricos. Sendo assim, o uso do aplicativo EB pode ser considerado seguro no atendimento ao paciente pediátrico queimado.


O cálculo de forma correta da SCQ deve ser priorizado para que erros, como visualizado nesta pesquisa, sejam cada vez menores, para que o prognóstico dos pacientes não sofra interferências negativas. Apesar dos poucos pacientes deste estudo terem dados prévios da SCQ, a estimação excessiva dos valores da SCQ destacou-se (Tabela 1). Outros estudos demostraram que aqueles pacientes com extensões menores do que 15% e 20%, são os mais superestimados7,10.


O cálculo equivocado da SCQ reflete diretamente na quantidade de volume que aquele paciente vai receber nas primeiras 24 horas após a queimadura, e uma estimação excessiva desses valores pode levar a desfechos clínicos desfavoráveis ao paciente devido à hiper-hidratação do mesmo. De acordo com a Figura 1, nota-se que o comportamento da variável SCQ, apontando que a imensa maioria dos sujeitos ao estudo tiveram a SCQ menor que 12%, demonstrando um melhor valor prognóstico a estes pacientes queimados. Aqueles que tiveram SCQ superestimada após a correção do cálculo através do EB, no centro de referência, realizaram a reposição hídrica no hospital de origem, porém, com hidratação excessiva devido ao cálculo equivocado da SCQ.


Quando esse resultado se mostra maior do que o indicado ao paciente, há um grande risco de complicações, desencadeando no fenômeno chamado de "fluid creep". Esse fenômeno, resultado da hidratação excessiva, é responsável por complicações como anasarca, obstrução com necessidade de intubação, aumento do tempo de permanência da intubação, aprofundamento das áreas queimadas e síndrome abdominal compartimental5.


Cabe ressaltar que neste estudo não se têm informações sobre qual método foi utilizado pelo serviço de transferência para o cálculo da SCQ dos pacientes.


No entanto, mesmo que os valores de discrepâncias da SCQ entre o hospital de origem e o centro de referência sejam alarmantes, um dado que chamou atenção nesta pesquisa foi que em 77,41% (n=24) dos pacientes não foram realizados os repasses clínicos necessários para uma transferência adequada de pacientes vítimas de queimaduras, especialmente, a superfície corporal queimada.


A falta de capacitação de profissionais de saúde em cidades do interior do estado de Santa Catarina e informação insuficiente de dados clínicos dos pacientes no momento da transferência inter-hospitalar impactam diretamente na preparação da equipe hospitalar do serviço de referência para receber os pacientes vítimas de queimaduras. A socialização de recursos como de aplicativos de telefone celular para esse fim pode minimizar as discrepâncias de avaliação inicial e um cálculo mais exato das necessidades de reposição hídrica do paciente queimado, diminuindo as complicações tanto da hidratação insuficiente quanto da hidratação excessiva.


Consideramos ainda que embora existam algumas limitações ao presente estudo, como o pequeno número de pacientes (7) em que a SCQ foi informada na instituição de origem, foram observadas diferenças estatisticamente significantes nessa casuística. A partir desta pesquisa estamos implementando novas rotinas, de forma que as instituições de origem, ao transferirem pacientes queimados, informem ao Sistema de Regulação a avaliação e o método de estimativa da SCQ, o que dará continuidade à presente pesquisa.


CONCLUSÕES


O uso do aplicativo EB mostrou-se com alta confiabilidade, concordância e ausência de diferença quando comparado à tabela de LB. Conclui-se que o uso do aplicativo EB e da tabela LB possuem equivalência significativa no cálculo da SCQ. Desta forma, afirma-se que o uso do aplicativo EB é seguro para a prática clínica na Unidade de Tratamento aos Queimados no HIJG.


A confiabilidade entre a Avaliação Clínica e os métodos EB e LB não foi testada em função do pequeno tamanho amostral do método Avaliação Clínica.


REFERÊNCIAS


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Recebido em 27 de Julho de 2023.
Aceito em 17 de Fevereiro de 2025.

Local de realização do trabalho: Universidade Federal de Santa Catarina, Departamento de Pediatria, Florianópolis, SC, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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