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Artigo Original

Psicodinâmica do trabalho da equipe multidisciplinar de um centro de tratamento de queimados

Psychodynamics of work of the multidisciplinary team at a burns treatment center

Laura Pombani Luz Guariento1, Juliana Helena Montezeli1, Andréia Bendine Gastaldi1, Benedita Gonçales de Assis Ribeiro1, Rafaela Rossi Signolfi1

DOI: 10.5935/2595-170X.20240026

RESUMO

OBJETIVO: Apreender as vivências de prazer e sofrimento no trabalho e as estratégias defensivas da equipe multidisciplinar de um centro de tratamento de queimados.
MÉTODO:
Pesquisa qualitativa ancorada na Psicodinâmica do Trabalho de Dejours, desenvolvida em um centro de tratamento de queimados de um hospital universitário público do Norte do Paraná, Brasil. Realizaram-se 22 entrevistas, com cinco enfermeiros que atuavam no gerenciamento da assistência, dois enfermeiros que atuavam na assistência, seis técnicos de enfermagem, três fisioterapeutas, dois médicos intensivistas, dois cirurgiões plásticos e dois médicos anestesiologistas. Houve gravação em áudio e, após transcrição literal, os dados foram tratados por meio da análise de conteúdo com apoio do software Atlas-ti.
Resultados: Foram identificadas 134 unidades de registro durante o processo de codificação. Após os agrupamentos por similaridade, emergiram quatro categorias empíricas: 1) Prazer no trabalho; 2) Sofrimento no trabalho; 3) Sentimentos envolvidos no prazer e no sofrimento; e 4) Estratégias defensivas.
CONCLUSÕES: O estudo oferece contribuições significativas para o campo da organização do trabalho, apontando para a necessidade de intervenções que promovam suporte psicológico e estratégias eficazes de enfrentamento para lidar com o sofrimento psíquico.

Palavras-chave: Equipe de Assistência ao Paciente. Esgotamento Psicológico. Princípio do Prazer-Desprazer. Saúde do Trabalhador. Unidades de Queimados.

ABSTRACT

OBJECTIVE: To understand the experiences of pleasure and suffering at work and the defensive strategies of the multidisciplinary team at a burn treatment center.
METHODS: Qualitative research based on Dejours' Psychodynamics of Work, carried out in a burns treatment center at a public university hospital in the north of Paraná, Brazil. Twenty-two interviews were carried out with five nurses who worked in care management, two nurses who worked in care, six nursing technicians, three physiotherapists, two intensive care physicians, two plastic surgeons and two anesthesiologists. The data was audio-recorded and, after verbatim transcription, processed using content analysis with the support of Atlas-ti software.
RESULTS: 134 recording units were identified during the coding process. After grouping by similarity, four empirical categories emerged: 1) Pleasure at work; 2) Suffering at work; 3) Feelings involved in pleasure and suffering; and 4) Defensive strategies.
CONCLUSIONS: The study offers significant contributions to the field of work organization, pointing to the need for interventions that promote psychological support and effective coping strategies to deal with psychological distress.

INTRODUÇÃO


As queimaduras são lesões causadas pela exposição a agentes físicos, químicos, elétricos ou térmicos, que resulta em danos teciduais na pele, nos tecidos subjacentes e até mesmo em órgãos internos, dependendo da sua gravidade¹. Elas podem ser classificadas em diferentes graus e a gravidade do paciente é determinada pelo percentual da superfície corporal acometida, profundidade da lesão, áreas danificadas e presença de complicações².


Este tipo de injúria causa cerca de 180 mil mortes anualmente, sendo mais prevalente em países em desenvolvimento e pouco desenvolvidos, que representam mais de 90% dos casos relatados. Além disso, o seu tratamento é um dos mais dispendiosos e resulta em grandes perdas econômicas¹. Complementando, uma pesquisa brasileira desenvolvida entre os anos de 2016 e 2020 revelou um quantitativo de 129.632 hospitalizações decorrentes de queimaduras e a faixa etária mais acometida foi entre um e quatro anos³.


O cuidado ao paciente queimado é complexo e requer abordagem multidisciplinar para que todas as necessidades do indivíduo sejam atendidas, uma vez que são enfrentadas situações como dor intensa, desconforto, ansiedade, internação prolongada, risco de infecções, quebra do vínculo social, perda da estética corporal, impacto psicológico e necessidade de reabilitação e reintegração4. Percebe-se, então, um processo de trabalho desafiador e meticuloso, tornando comum o esgotamento dessa classe de trabalhadores5.


Quando as questões relacionadas ao trabalho estão equilibradas, os profissionais da área da saúde são capazes de oferecer uma assistência mais eficaz e compassiva. No entanto, eles enfrentam situações extremas diariamente, como o cuidado de pacientes em estado crítico e de alta complexidade, casos dos pacientes queimados6.


Com isso, o labor pode ser fonte tanto de prazer, em virtude das batalhas vencidas rumo à recuperação do indivíduo, quanto de sofrimento, graças aos percalços vivenciados no cotidiano. Diante disso, advoga-se que o trabalho é intrinsecamente associado ao sofrimento e as questões subjetivas do trabalhador desempenham um papel fundamental na prestação de assistência de qualidade. Essas questões referem-se aos aspectos internos e individuais do trabalhador, como suas crenças, valores, experiências passadas, emoções, motivações, prazeres e sofrimentos e, aditivamente, as pessoas tendem a utilizar estratégias de defesa diante dos desprazeres laborais7.


Destarte, este estudo norteou-se pela seguinte interrogação: quais as vivências de prazer e sofrimento no trabalho e as estratégias defensivas da equipe multidisciplinar de um centro de tratamento de queimados? Então, traçou-se como objetivo: apreender as vivências de prazer e sofrimento no trabalho e as estratégias defensivas da equipe multidisciplinar de um centro de tratamento de queimados.


Percurso metodológico


Trata-se de uma pesquisa qualitativa edificada à luz da Psicodinâmica do Trabalho proposta por Dejours7 e desenvolvida em um Centro de Tratamento de Queimados (CTQ) de um hospital universitário público do Norte do Paraná, Brasil.


Os participantes foram enfermeiros gestores da assistência, enfermeiros assistenciais, técnicos de enfermagem, médicos plantonistas da terapia intensiva de queimados, médicos anestesiologistas, cirurgiões plásticos e fisioterapeutas.


O setor ainda contava com uma médica diarista, uma psicóloga, uma assistente social e uma nutricionista. Porém, como havia apenas uma profissional em cada uma dessas categorias, optou-se por excluí-las, pois não seria possível manter o anonimato das suas falas nos resultados.


A amostragem deu-se por snowball, também conhecida como "bola de neve", que é uma técnica não probabilística que permite uma maior exploração de fenômenos em pesquisas de natureza qualitativa8.


Operacionalmente, a snowball se inicia com a escolha dos informantes-chaves, chamados "sementes", escolhidos intencionalmente por apresentarem o perfil necessário para a pesquisa, dentro da população geral. As "sementes" indicam novas pessoas para participarem, a partir de sua própria rede pessoal e, assim, sucessivamente. Dessa maneira, a amostra vai aumentando a cada entrevista até que não haja novos nomes indicados ou que os inquiridos deixem de trazer novas informações para o alcance do objetivo do estudo, atingindo a saturação de dados8.


O critério de inclusão foi atuar no CTQ há pelo menos um ano, para que pudesse ter tido as vivências laborais mínimas com a clientela em questão. Já os excluídos foram profissionais em férias ou em licença de qualquer natureza durante o período da pesquisa e profissionais que desenvolvam apenas funções administrativas, sem prestar assistência ao paciente queimado.


Realizou-se entrevista semiestruturada audiogravada, com duração mínima de sete e máxima de 28 minutos, feita em ambiente privativo durante o turno de trabalho e conforme a disponibilidade do profissional.


O instrumento de obtenção de dados foi dividido em duas partes, sendo a inicial para a caracterização do profissional, seguida de cinco questões norteadoras: 1) Considerando o cotidiano do seu trabalho no CTQ, que sentimentos você vivencia ao cuidar do paciente queimado? 2) Há atividades que lhe causam prazer no seu trabalho do CTQ? Se sim, quais? Explique e justifique. 3) Há atividades que lhe causam sofrimento no seu trabalho do CTQ? Se sim, quais? Explique e justifique. 4) Considerando as atividades que lhe causam sofrimento no trabalho no CTQ, você tem alguma estratégia (individual ou coletiva) que te ajuda no seu enfrentamento e/ou de seus colegas? Explique. 5) Você gostaria de dizer mais alguma coisa referente ao tema desta pesquisa? ("Prazer, sofrimento e estratégias defensivas no trabalho da equipe multidisciplinar de um CTQ").


Os dados obtidos foram transcritos e tratados pela Análise de Conteúdo, que envolveu três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados9. Esse processo foi facilitado pelo uso do software ATLAS.ti Web v8.1.2-2024, que oferece suporte para sistematização na categorização de falas a partir das inferências obtidas na análise dos dados, melhorando a organização da análise inicial10.


Os recortes de falas utilizados para ilustrar as categorias empíricas de cada entrevistado foram identificados de acordo sua categoria profissional (EA = enfermeiro assistencial; EG = enfermeiro gerencial; TE = técnico de enfermagem; MI = médico da terapia intensiva; MP = cirurgião plástico; MA = médico anestesiologista; FS = fisioterapeuta), seguida do número de ordem de execução da entrevista de E1 a E22 (entrevistado 1 a entrevistado 22).


Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição sob parecer nº. 4.416.099 e CAAE 40087520.7.0000.5231. Foi solicitada a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) pelos inquiridos seguindo os preceitos éticos vigentes no Brasil.


RESULTADOS


Foram realizadas 22 entrevistas, com cinco enfermeiros que atuavam no gerenciamento da assistência, dois enfermeiros que atuavam na assistência, seis técnicos de enfermagem, três fisioterapeutas, dois médicos intensivistas, dois cirurgiões plásticos e dois médicos anestesiologistas. As entrevistas abordaram todos os turnos de trabalho da equipe atuante no setor.


Dos entrevistados, quatro eram do sexo masculino e 18 do sexo feminino. A faixa etária oscilou entre 26 e 54 anos, com predominância dos grupos de idade dos 30-34 (27%) e dos 50-54 (27%). Em relação ao estado civil, houve predominância dos participantes casados (45,5%), seguidos dos solteiros (36,5%), em união estável (9%) e divorciados (9%).


O tempo de formação oscilou entre dois e 30 anos. Quanto ao tempo de atuação no CTQ, a maioria trabalhava entre um e cinco anos no setor (72%), seguido dos profissionais que trabalhavam de sete a 16 anos (28%). Em relação ao nível de formação, destacaram-se os níveis de especialização (73%), doutorado (9%) e mestrado (4,5%).


Os participantes, em sua totalidade, afirmaram que não trabalharam em outro serviço especializado no atendimento a queimados, mas, ocasionalmente, lidaram com vítimas em outros tipos de serviços.


Ao codificar as entrevistas, estruturando a partir do ATLAS.ti, foi possível identificar 134 unidades de registro (UR). Seguindo a organização por grupos com base em similaridades, os aspectos destacados permitiram a emersão de quatro categorias distintas: 1) Prazer no trabalho; 2) Sofrimento no trabalho; 3) Sentimentos envolvidos no prazer e no sofrimento; e 4) Estratégias defensivas.


Categoria 1 - Prazer no trabalho


A primeira categoria traz achados referentes aos momentos prazerosos que são possibilitados em meio ao contexto laboral, como descrito no Quadro 1.


 



 


Categoria 2 - Sofrimento no trabalho


Os entrevistados destacaram nesta categoria situações que causam sofrimento no meio em que estão inseridos, conforme explicitado no Quadro 2.


 



 


Categoria 3 - Sentimentos envolvidos no prazer e no sofrimento


Esta categoria aborda as emoções experimentadas pelos entrevistados, abrangendo tanto momentos de prazer quanto de sofrimento, sendo separados em sentimentos positivos e negativos conforme ilustrado na Figura 1.


 



 


Categoria 4 - Estratégias defensivas


Nesta última categoria retratam-se as estratégias defensivas utilizadas, sendo elas individuais ou coletivas, como demonstrado no Quadro 3.


 



 


DISCUSSÃO


As quatro categorias distintas que emergiram refletem diferentes dimensões da experiência de trabalho da equipe. A primeira categoria, "Prazer no trabalho", destaca os aspectos que geram satisfação e realização pessoal e profissional. Inclui sentimentos de dever cumprido, orgulho no atendimento aos pacientes e momentos de cooperação bem-sucedida entre os colegas. Essa perspectiva está alinhada à teoria dejouriana, que vê o prazer no trabalho como decorrente da capacidade do trabalhador de transformar a organização do trabalho a seu favor, encontrando sentido e realização naquilo que faz7.


A percepção do prazer no trabalho entre os profissionais é influenciada por dois principais fatores: o impacto positivo no paciente e as relações interpessoais. A satisfação derivada do cuidado ao paciente é frequentemente mencionada, especialmente quando os profissionais observam a recuperação funcional e estética após intervenções cirúrgicas e tratamentos intensivos. Essa sensação de utilidade e realização é reforçada pelo sentimento de que o trabalho desempenhado é indispensável e faz uma diferença significativa na vida dos pacientes11.


O prazer derivado do impacto positivo no paciente reflete o que Dejours chama de "prazer no fazer". Esse prazer é intensificado pela percepção de que o trabalho é útil, significativo e faz uma diferença concreta na vida dos outros. Quando a equipe participa na recuperação de seus pacientes, eles experimentam uma validação do valor de seu trabalho, o que contribui para um sentimento de orgulho e dever cumprido7.


As relações interpessoais dentro da equipe são outro aspecto crucial. A teoria da psicodinâmica do trabalho sublinha a importância das relações sociais no contexto laboral, pois elas podem servir como uma forma de mediação do sofrimento7. A coesão e harmonia dentro da equipe não só diminuem o estresse, mas também criam um ambiente onde o suporte emocional mútuo é possível, o que é vital em contextos de trabalho que envolvem situações de sofrimento intenso, como em um CTQ12.


Promover um ambiente de trabalho que valorize tanto o sucesso clínico quanto a coesão da equipe pode aumentar os níveis de satisfação e qualidade de vida dos profissionais. Esta proposta está em consonância com a psicodinâmica do trabalho, que defende a necessidade de intervenções organizacionais para melhorar as condições de trabalho e, assim, transformar o sofrimento em uma fonte potencial de prazer e realização13.


Por outro lado, a segunda categoria, "Sofrimento no trabalho", aponta para os desafios emocionais e psicológicos enfrentados pela equipe, como o estresse, a exaustão e a frustração, muitas vezes associados à natureza intensa e sensível do trabalho com pacientes queimados. Essa categoria é essencial para entender os fatores que contribuem para o desgaste profissional e emocional.


O sofrimento no trabalho da equipe do CTQ está profundamente enraizado tanto na interação com os pacientes quanto nas questões gerenciais que permeiam o ambiente. O sofrimento relacionado ao paciente é descrito pelos profissionais como uma consequência inevitável do confronto diário com situações de dor, perda e prognósticos incertos. A comunicação de notícias difíceis, a observação de desfechos desfavoráveis e a carga emocional associadas ao cuidado de pacientes gravemente feridos, especialmente crianças, são fatores que geram uma significativa carga psicológica. Esse tipo de sofrimento é frequentemente associado ao desenvolvimento de burnout e à diminuição da qualidade de vida dos profissionais de saúde14.


A psicodinâmica do trabalho sugere que o sofrimento é uma resposta natural às pressões e demandas impostas pelo trabalho, especialmente em ambientes de alta complexidade e carga emocional. Nesses contextos, os profissionais lidam diariamente com situações de intensa dor, sofrimento e morte, que evocam sentimento de impotência e angústia. Diante disso, os trabalhadores desenvolvem mecanismos de defesa psíquica, como a racionalização ou o distanciamento emocional, para lidar com a dor inerente à atividade laboral7.


A necessidade de comunicar notícias difíceis aos familiares ou lidar com desfechos negativos, como óbitos ou sequelas graves, coloca os profissionais em uma posição de constante vulnerabilidade emocional. O sofrimento relatado é exacerbado pela consciência das limitações terapêuticas, o que pode levar ao uso de defesas como a despersonalização para proteger a saúde mental. No entanto, essas defesas podem, ao longo do tempo, resultar em uma desconexão emocional que compromete tanto a qualidade do cuidado quanto a satisfação no trabalho6.


Essa percepção de sentimento se agrava quando há um desalinhamento entre os valores pessoais dos profissionais e as condições reais de trabalho. Dificuldades gerenciais, como a falta de recursos humanos, a sobrecarga de tarefas e a inadequação das condições laborais, são citados como fontes significativas de sofrimento. A escassez de pessoal e o alto turnover não apenas sobrecarregam os profissionais restantes, mas também comprometem a continuidade e a qualidade do atendimento15.


Esses desafios geram uma carga física e mental que provoca sentimentos de inadequação e frustração, pois os trabalhadores se veem incapazes de exercer suas funções conforme os padrões éticos e de qualidade que defendem, levando ao chamado "sofrimento ético". Além disso, a sensação de estar constantemente vigiado e a competitividade entre colegas apontam para um ambiente de trabalho que não promove cooperação e solidariedade, aspectos que são essenciais para transformar o sofrimento em prazer16.


O sofrimento no trabalho dentro do CTQ é multifatorial, resultante tanto da natureza inerentemente dolorosa e imprevisível do cuidado a grandes queimados quanto das deficiências organizacionais e gerenciais que permeiam o setor. Intervenções voltadas para a melhoria das condições de trabalho, o fortalecimento do suporte psicológico aos profissionais e a promoção de um ambiente de trabalho mais colaborativo e menos competitivo são essenciais para minimizar o sofrimento e melhorar a qualidade de vida da equipe. Promover estratégias de resiliência e implementar políticas gerenciais eficazes são passos cruciais para enfrentar esses desafios complexos7.


A terceira categoria, "Sentimentos envolvidos no prazer e no sofrimento", interliga as duas categorias anteriores, explorando as emoções que surgem tanto nos momentos de prazer quanto de sofrimento. Esta categoria permite uma compreensão mais profunda das experiências emocionais dos profissionais, oferecendo insights sobre como essas emoções impactam sua saúde mental e sua prática profissional.


Os sentimentos positivos e negativos refletem a dualidade do prazer e sofrimento vivenciados pelos profissionais de saúde. Os sentimentos positivos mencionados são indicativos de uma relação profunda e significativa com o trabalho. Esses sentimentos estão frequentemente associados a experiências de sucesso terapêutico e à capacidade de fazer a diferença na vida dos pacientes. A empatia e a solidariedade são essenciais para a resiliência emocional dos profissionais de saúde, contribuindo para a manutenção de uma atitude positiva diante das adversidades. A realização pessoal e a sensação de dever cumprido estão intrinsecamente ligadas à percepção de impacto positivo no bem-estar dos pacientes, reforçando a motivação intrínseca e a satisfação no trabalho14.


Em contraste, os sentimentos negativos refletem as dificuldades e desafios inerentes ao ambiente de trabalho. A frustração e a desmotivação frequentemente surgem da incapacidade de alcançar os resultados desejados, exacerbadas por limitações estruturais e organizacionais, como a falta de recursos humanos e a sobrecarga de trabalho. O estresse e o cansaço são comuns em ambientes de alta demanda emocional, onde os profissionais enfrentam continuamente situações de sofrimento e dor extrema, tanto física quanto emocional, nos pacientes5.


A compreensão desses sentimentos antagônicos é crucial, pois ilumina como os sentimentos positivos e negativos interagem e afetam a saúde mental e a prática profissional. Reconhecer e abordar esses sentimentos é fundamental para promover um ambiente de trabalho mais equilibrado e suportivo, no qual as emoções positivas possam ser fortalecidas e os desafios superados de maneira mais eficaz17.


Por fim, a quarta categoria, "Estratégias defensivas", refere-se aos mecanismos que os profissionais desenvolvem para lidar com o estresse e o sofrimento no ambiente de trabalho.


As estratégias defensivas reveladas demonstram um complexo arranjo de mecanismos individuais e coletivos para lidar com o estresse e o sofrimento associados ao trabalho. Esses meios de defesa são respostas adaptativas às demandas e pressões do ambiente de trabalho, com o objetivo de preservar a saúde mental dos trabalhadores e manter o desempenho profissional18.


Entre as estratégias defensivas individuais destacadas, observa-se uma combinação de métodos pragmáticos e emocionais. A preparação antecipada para o atendimento de pacientes graves, a prática de atividades físicas e o suporte emocional através de familiares e espiritualidade são exemplos de como os profissionais tentam mitigar o impacto emocional das situações difíceis. Esses métodos enfatizam a importância de técnicas de enfrentamento e suporte social na manutenção do bem-estar em ambientes de alta demanda emocional. A utilização da atividade física como uma forma de extravasar o estresse e a busca por apoio familiar são estratégias reconhecidas como eficazes na redução dos efeitos adversos do estresse laboral19.


No nível coletivo, as estratégias defensivas incluem a manutenção de uma boa relação entre os colegas e o uso de momentos de interação social como formas de alívio. O estabelecimento de um ambiente de trabalho colaborativo e a promoção de momentos de descontração, como reuniões sociais e refeições conjuntas, são práticas que ajudam a fortalecer o vínculo entre os membros da equipe e a criar um espaço para a expressão de emoções. Esses mecanismos refletem o papel da empatia e da coesão social na mitigação do estresse e na promoção da satisfação no trabalho12.


A partir da perspectiva da psicodinâmica do trabalho de Dejours, essas estratégias atuam como formas de defesa psíquica, permitindo aos trabalhadores manterem a saúde mental e o desempenho profissional mesmo em condições adversas. No entanto, é crucial reconhecer que, embora esses mecanismos ofereçam alívio temporário, a eficácia a longo prazo depende da implementação de políticas organizacionais que abordem as causas estruturais do sofrimento no trabalho. Isso inclui a redução da sobrecarga de trabalho e a melhoria das condições laborais, que são essenciais para prevenir o esgotamento e promover um ambiente de trabalho mais saudável e sustentável20.


CONCLUSÕES


Este estudo destaca a complexidade inerente à organização do trabalho em Centros de Tratamento de Queimados, sublinhando a indispensabilidade de uma abordagem multidisciplinar integrada que consiga equilibrar as exigências técnicas e emocionais impostas aos profissionais. Esse equilíbrio é importante para a promoção de um ambiente de trabalho flexível que favoreça tanto a segurança e a qualidade do atendimento ao paciente quanto a qualidade de vida e a satisfação dos profissionais envolvidos.


Entre as limitações do estudo, destaca-se a coleta de dados em apenas um cenário, o que restringe a generalização dos achados. A não inclusão de outras categorias profissionais, como nutricionistas, psicólogos e assistentes sociais, limita uma visão mais ampla da equipe multiprofissional, fator que poderia enriquecer a compreensão das dinâmicas de trabalho no setor. Além disso, a ausência de vivências anteriores em outros centros especializados em queimados entre os participantes reduz a diversidade de perspectivas, o que poderia influenciar na adoção de práticas inovadoras e na incorporação de novas tecnologias.


Apesar dessas limitações, o estudo oferece contribuições significativas para o campo da organização do trabalho, apontando para a necessidade de intervenções que promovam suporte psicológico e estratégias eficazes de enfrentamento para lidar com o sofrimento psíquico. A teoria da Psicodinâmica do Trabalho de Dejours foi central na interpretação dos dados, especialmente no que diz respeito à transformação do sofrimento em uma dinâmica de mobilização subjetiva.


Em síntese, este estudo reforça a importância de políticas organizacionais que otimizem não apenas o cuidado técnico, mas também valorizem o bem-estar da equipe multidisciplinar. Garantir um ambiente de trabalho sustentável e favorável ao desenvolvimento de práticas de excelência é essencial para enfrentar os desafios complexos de um ambiente de alta demanda emocional e técnica, promovendo a resiliência e a satisfação no trabalho.


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Recebido em 20 de Novembro de 2024.
Aceito em 3 de Fevereiro de 2025.

Local de realização do trabalho: Universidade Estadual de Londrina, Departamento de Enfermagem, Londrina, PR, Brasil.

Conflito de interesses: Os autores declaram não haver.


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